A polêmica não é nova. Vem desde o século 19, quando a teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882) sugeriu pela primeira vez que seres humanos e chimpanzés têm ancestrais em comum. Isso tudo é aceito hoje, com poucas restrições entre leigos, mas chegou ao limite na outra ponta. Alguns grupos de defesa dos primatas nos EUA reivindicam que os chimpanzés adquiram status de humanos sob tutela. "Quando deixa de ser antropocêntrica, a pessoa vira primatocêntrica", ironiza o pesquisador Eduardo Ottoni, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, especialista em comportamento animal.
O estudo dos chamados hominóides não-humanos, as quatro espécies de macacos evolutivamente mais próximas do homem, converge para uma conclusão: boa parte do repertório comportamental que era tido como exclusivamente humano na verdade surgiu antes da marca de 6 milhões de anos atrás, quando o homem começou a se diferenciar de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos, os macacos do Velho Mundo.
A tentativa de limitar a observação de traços "humanos" a essas quatro espécies, porém, está indo por água abaixo. Um grupo de brasileiros está entre os culpados por essa reviravolta. Pesquisadores da USP observaram animais em semiliberdade no Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo, e descobriram que um dos macacos do Novo Mundo é capaz de utilizar ferramentas na natureza com uma habilidade vista anteriormente apenas entre os hominóides.
Invasão cultural O demolidor de paradigmas é o macaco-prego (Cebus apella), mais conhecido por invadir cozinhas e roubar comida nas áreas rurais próximas de florestas. Um grupo liderado por Ottoni vem observando o modo como esses animais quebram frutos secos com pedras e, sobretudo, a maneira de cada indivíduo aprender a técnica observando outro, um tipo de transmissão cultural.
"Tecnologia era uma daquelas coisas tratadas assim: "Isso é humano, os animais usam só suas garras e seus dentes". Até que, por volta dos anos 70, a pesquisadora Jane Goodall começou a descrever o uso de ferramentas pelos chimpanzés", conta Ottoni. "Mas alguém pode dizer: "Isso é normal, porque o chimpanzé é quase humano". Aí entra a graça da nossa pesquisa com macaco-prego, que está muito longe dessa família. O ancestral comum viveu há 40 milhões de anos."
Para Ottoni, parte do tabu construído em torno das características "humanas" dos macacos caiu com o reconhecimento de que chimpanzés também possuem sua cultura. Em outras palavras, esses macacos transmitem conhecimento através de gerações. Foi mais um limite derrubado na diferenciação entre os homens e seus parentes mais próximos.
"Limite é uma coisa meio cristã, ligada a esse tipo de maniqueísmo da cultura ocidental. Dizem "aqui é o bem, aqui é o mal". Da mesma maneira, se diz "ali é o animal, aqui é o humano". Isso não existe. A ciência natural se delicia em chutar cada um desses limites." Com o entusiasmo de quem está ajudando a fazer isso, Ottoni descreve a principal atividade tecnológica do macaco-prego, a quebra de coquinhos: "Ele põe uma pedra embaixo, lisa, depois põe o coco e golpeia com outra".
Fonte : (http://www.ip.usp.br/imprensa/midia/2002/fsp20_01_2002.html)
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